quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010




Saudade é coisa que não tem explicação

Saudade é coisa que não tem explicação.
Vem de mansinho,
sem avisar
nos pega de supetão.
E a gente,
sem reação,
se deixa tomar, domar, dominar
por essa coisa gostosa
que você me disse, certa vez,
foi criada pra se lembrar das coisas boas
dessa estrada derradeira.

Saudades...
dos momentos,
dos encantos,
dos olhos cor de ardósia.
Às vezes sonolentos
como gato dorminhoco.
Às vezes malicioso
como o bom malandro
de sapato branco
e lenço no pescoço
que anda gingando
e roubando o sono de tantas moças.
Olhar matreiro,
que mata sem dó
mas com paixão.

Vixe...! Teus mistérios são muitos...
O que se passa, então, nessa cabeça...?
Quem poderá saber... ?
Eu não...
Só sei de tuas mãos:
Afagam mulheres
com ternura,
com leveza,
uníssonas!
Mantém simetria
em cada onda do vasto corpo de violão.
Inquietantes,
elas dançam suaves
nem esperam ouvir a canção de permissão.
Ávidas, procuram o contorno necessário
para curar tamanha sofreguidão.
Lembram marinheiros de muitas águas sem ver terra...
É nessa sensação de além-mar,
para além desse cosmo,
que me levas
ao embalar-me com tuas mãos.

Deixo-me, então, levar e
já não sinto o chão,
tal como borboletas que acabaram de abandonar o casulo.

Lambuzo-me com a liberdade
dos que não tem mais perdão.
E já nem sei se quero ainda decifrar os mistérios dos olhos teus.
Na verdade,
não quero nada que não seja
a contemplação
da impar sensação
que me proporcionas
com o simples toque,
o suave toque,
de tuas mãos.
Teus tentáculos!
Meus tentáculos!
Sim...!
Sirvo-me deles como se já fossem meus
e talvez sejam
ou foram
ou serão...
Não sei...
Só sei
que nada se compara
à incrível sensação
de se erguer
uma casa
sem chão.
O caminho inverso que fizemos
não tem explicação,
assim como a saudade que sinto
ao olhar tua foto
naquela tarde chuvosa
de uma cidade eternamente nublada
perdida em meio a tanto concreto,
mas que por um segundo
quase me fez achar
que eu finalmente tinha me encontrado
e me curado
de uma solidão
que também não tem explicação.





Salvador Puig Antich... um nome desconhecido. Um coadjuvante na escrita da história. Um cidadão. Um ideário. Um filho. Um irmão. Um jovem. Um sonhador...
Alguém que ousou quando todos calaram. Alguém que encheu o peito de ar e a alma de coragem para lutar por um sonho, uma utopia coletiva, porém, praticada por poucos... Poucos ousaram desafiar o sistema, romper o muro atroz da brutalidade armada.
Como ele outros ousaram, abdicaram à própria vida em prol da libertação do povo. Luta armada tomada de ímpetos de medo e coragem, de sussurros e palavras de ordem, de passeatas e canções de protesto, de vitórias e pêsames. Jovens órfãos de pátria e pais órfãos de filhos: realidade mundial nos anos de 1960-1970. América, Europa, não interessa a que mundo se pertencia... a mão pesada da impunidade constitucionalizada era cosmopolita, além de sanguinária.
Pinochet, Franco, Geisel... Nomes apenas? Não! Mais do que nomes! Ações!
Salvador foi um jovem catalão que ousou mudar a triste realidade de seu país. Pagou com a vida.
Outros também tentaram escrever a história de seu país com outras tintas: João, Betto, Fernando, Mirangalha, Chico... Todos Salvadores a seu modo. Todos penalizados por atos institucionais.
Penso hoje na máxima do poeta: tudo vale a pena se a alma não é pequena, e lembro desses jovens revolucionários que lutaram pela redemocratização de suas pátrias, pelas garantias individuais e direitos coletivos, pela liberdade de expressão, por um mundo livre e melhor. Será que valeu a pena?
Às vezes, um pessimismo sobre humano toma conta de mim e me mostro descrente em relação às mudanças, sejam elas a níveis sociais, políticos, econômicos ou mesmo interpessoais.
Olho de soslaio a sociedade a qual faço parte e nem sempre me reconheço nela. Não me sinto parte dela.
Leio sobre a história do mundo, sobre a ‘evolução’ da raça humana, sobre os avanços tecnológicos, sobre a modernidade-mundo, que não só bateu à nossa porta, mas que também invadiu nossas vidas e, sinceramente, sinto inveja de nossos avôs. Chega a ser nostálgico essa falta de algo que nunca tive.
Hoje, esse pensamento não quer me abandonar. Sinto uma ardência inquietante no peito, uma vontade de gritar, mas sem se fazer ouvir. Só para sentir essa sensação esvair, abandonar-me.
Confesso que tentei aprender a mentir. Não me refiro a meias verdades. Me refiro às homéricas. Aquelas em que ignoramos nossos valores, nossas crenças. Aquelas em que fazemos ‘vista grossa’ para as irregularidades, para o suposto errado, para o mal. Refiro-me àquelas em que cometemos injustiças sem remorso. Que humilhamos nossos irmãos, que cruzamos os braços diante das vicissitudes dessa vida...
Refiro-me, finalmente, a pior de todas as mentiras: aquela que fazemos a nós mesmos. Enganar a si próprio! E essas mentiras, de tanto professadas, um dia acabam tornando-se verdades. É isso! Vivemos na era das não-verdades. Mas, de sacanagem, ouso não seguir essa linha. Só para azucrinar eu me nego a fazer parte desse ciclo. Me nego a sucumbir a essa hipocrisia que nos margeia hordienamente.