domingo, 23 de setembro de 2007

Mormaço

O balanço incessante das baquetas tremelicando
O calor intenso de corpos sarados,gordos e secos requebrando por toda parte
Os olhares lascivos, cheios de desejos,se cruzam no salão
Os trópicos nos incitam ao pecado,nos curva aos desejos mais íntimos e libidinosos
Foi nesse burburino que meus olhos acharam os teus,cravando-no impiedosamente
Não sei se foi a música, os diversos odores ou um desejo sem explicações concretas
Mas meus olhos não conseguiram desviar dos teus
O movimento de tuas mãos,teu olhar baixo,tímido,encoberto por tuas olheiras
congelaram os meus
Revejo essa cena por mil vezes
e em todas descubro-me em transe:
meus olhos envidram,minha pele enrijece
qual um animal em perigo
Meus cheiros transpiram pelos poros
Sou pura loucura
O som do metal,revestido de couro,não me tira desse estado de topor
Qual um viciado,meus sentidos apurados se focam em um único gemido:
o da tua respiração ofegante,prisioneira de teus pulmões enevoados
Desejo-te,sorvo-te,transpiro-te...
De repente, o som cessa, os corpos,aos poucos,vão se acasalando,os gritos dão lugar a sussuros,quase monólogos.
Minha visão,turva diante de tanta fumaça,enxerga-te longe,
no pedestal dos loucos varridos
Vou abrindo caminho diante da massa humana de carne, suores e odores
Chego a ti...
Um olhar...
Outro olhar...
Um breve esmorecer de pálpebras,acompanhado de um sorriso carnudo nos aproximam
Pronto! Bastam algumas palavras,muitos olhares e tudo explode na fusão de dois desejos,
transformados e imortalizados em um beijo...


sexta-feira, 13 de julho de 2007

Admirável Mundo Novo?

Violência nos becos
morros,favelas,invasões
balas perdidas,
assaltos,
insanas ações.
Realidade,
realidade,
coisa banal,
trivial
não causa mais medo ou surpresa
é tudo hiper-real.

Tecnologia de ponta
avanços medicinais
condomínios fechados
férias no Hawaí
Realidade?
Realidade?
Para quem?

Supostas teorias procuram explicar
mas a rapidez da realidade
não permite filosofar.
A violência se tornou comum
não causa mais impacto
impunidade tornou-se perene

Jovens se perdem
crianças morrem
velhos adoecem
sociedade apodrece
de valores,de moral
instituições falham.

Dos esgotos sociais
brotam impunes
raizes do mal
que tolem a liberdade
do cidadão comum.
Hoje um réles mortal
ou imortal?
Sobrevivente da Babilônia incendiária.
Grilhões seculares amordaçam
a voz dos inocentes
reproduzem o medo
ecoam grávidos de horrores.
Holocausto em pleno século XXI.

E amanhã?
O que será do amanhã
em uma sociedade falida,
em um sistema corrupto,
corroído e dilacerado?
Onde andam nossos heróis
que não houvem a voz dos mutilados?
A quem ocorrer?

Me olho no espelho
procurando enxergar
a mancha vigorosa que avança atrás de mim
Procuro gritar
mas meu grito ecoa estrangulado
na podridão que nos acalenta
sorrateira como um abutre
esperando a melhor hora para degustar
a carniça da irreversível
situação humana
Seria esse...
o admirável mundo novo?

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Atropelo

Ouço zumbido de grilo
O vento invade o meu corpo
desalinha meus cabelos
e dita-me aos ouvidos acordes dissonantes...
Gargalho....em plena síncope

Remuo minhas entranhas
Não há decoro
Decoro um verso rápido
com palavras mórbidas
para murmurar

Um transeudente pára
paira minha rota figura:
desatino humano
aborto social
trapos da moral

Suspiro cambaleante
atravesso o sinal
a orgia me espera
do outro lado

Simbiose retardada
Aglutina caos,sangue,choro
meu roto caminhar
frea,rodopia,capota
A respiração,ofegante,cessa
O sangue não jorra.Há muito escasseou...

O cerébro,assombrosamente,emite imagens discrepantes
Quem é aquela virgem,
de traços finos e pele alva
que meus olhos miram?
É a morte... cada vez mais próxima?
Que morte bonita
tão distinta da severina vida
tão asseada e vistosa
...chego a sentir vergonha da vida
diante da vicissitude da morte...

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Perna

Gosto de saber que sabes sorrir
Tua alegria enche-me de prazer
Gosto de te ver sorrir com os olhos
Teus olhos dizem muita coisa
Coisas que ja conheço,
outras que,talvez,ficarão por conhecer

Quando rires,mostra-te vivo,mostra-te homem,
menino,repentista,poeta,fazedor de rimas.
Às vezes negro,meio índio,africano,português e brasileiro
mas nunca o homem cordial.
Tens mais de colonizador que de colono
Teus grandes braços parecem dois tentáculos:enlaçam mulheres,
mas mais ainda parecem querer laçar o mundo

Acocado, o mundo entre tuas pernas,debruça-te sobre ele
e tuas mão ávidas procuram de um tudo
Nem sempre consegues retirar o que desejas,mas fitando o teu olhar
parado,sonolento
avisto um brilho:Sei que descobriste alguma coisa
Não sei se para usar hoje ou amanhã
Se para guardar de lembrança
ou deixar esquecida num canto qualquer de teu barraco

Não tarda e vejo-te novamente
remoendo o mundo a procura de novos achados,
de outros mundos,outras histórias...
Vejo-te como um grande,incansável e misterioso escavador:
sempre a procurar algo,a remoer o que parecia certo,concreto,firme
Contigo,tudo o que era sólido passou a desmanchar-se no ar
Nada é estático
Tudo é suscetível de mudança:
os móveis,as pessoas,as crenças,valores e visões.
Esforço-me para acompanhar-te mais minhas pernas,não são as pernas - tuas pernas!

terça-feira, 1 de maio de 2007

Procura-se





















Procura-se alguém que saiba
cozinhar
lavar e
passar.
Procura-se alguém que saiba sonhar
cavalgar e
nadar.
Que goste de livros,música,plantas cachorros e
galinhas.
Que não fique zangado ou chateado
em meter a mão na massa.
Que faça flores e cultive amigos.
Que goste de cavalos
bezerros e mutucas.
Que ande descalço
que tenha calos nos pés e nas mãos
mas a alma lívida...
Que queira curar-se
e despir-se de todo o mal
que acredite que o paraíso
pode ser aqui,agora,já...
Que pense que o mundo não esta de todo perdido
Que ame as pessoas
a vida e, sobretudo,
a si mesmo
mas que também sobre um pouco de seu amor
para um coração forasteiro
que busca nesse mundo de Alá
o colorido de uma alma boa
para compartilhar
a magnetude e o mistério da vida.
Mas se os critérios são muitos
e você não tenha mais que um ou dois
serve assim mesmo
se, no entanto,
não se importares em estender
as mãos,arregaçar as mangas,
tirar os sapatos,
abrir a alma e se propor
a aprender...
que na vida
nem tudo sabemos
nem tudo dominaremos
apesar dos livros lidos
das experiências vividas
dos amores perdidos
dos filhos crescidos
das chagas curadas
da fome sanada
A vida é o que fica
e nós, o que passamos...


Ânsia

Meu medo
é esquecer-te
antes de fazer-te lembrar.

Meu medo
é não viver
o que viveria
se vivessemos
uma única sintonia.

Meu medo
é cansar
e aceitar a vida
deixar pra trás
repaginar
e não recuperar
no momento que seria certo.
Certo?
Que momento?
Que certeza?
Onde instante?

Meu medo
é perder
sem ao menos ter ganhado
saboreado
desfrutado
Vivido a ilusão
da desilusão...

Fugaz

Nas profundezas de todo homem
habita um ser
racional
sonhador
realista
minimalista.

O universo não é tão grande
para quem sustenta pequenos sonhos
Para quê?
Se tudo acaba ali,na esquina?
Os ventos do norte
não trazem o futuro
nem revivem o passado
O presente também não é tudo
Então
o que fazer?
Onde ir?
O que comer?
Se tudo acaba ali, na esquina?

Enchentes,bombas,corrupção
sequestros violentos
loucas ações
te fazem desejar
um lote fora daqui
em outro planeta
sem terra,sem chão...
O universo não é tão grande assim
se tudo acaba ali,na esquina...

Ouço no rádio
vejo na tv
acesso na internet
tudo que não quero ver
tudo que temia ter.
O mundo é pequeno
ou nós somos grandes demais?
Nem tudo são flores
para quem distingue os odores da dor
dos sonhos destruídos
das vidas em vão
das infâncias tolidas
da mesa farta de miséria
e do ódio
que dilacera a alma
a vida
e transforma a dor
em inimiga....

Intangível

Vejo-te em plena luz
raiz negreira
em toda graça
ritmo e pureza.
Tua tez embriága-me,
sacia minha sede
minha gula de ti.
Os olhos engolem abruptamente
toda tua imagem
sagacidade.
Transporto-me intangível
pela tela
elimino barreiras
eu vou roubar-te para mim.
Senão eu
minha essencia
meu desejo
minha fome.
Inacessível?
Inatingível?
Etéreo?
Quem sabe...
Sub-produto de minha imaginação
sorvo-te com prazer
degusto-te pelos poros
transpiro...
Alucinações corporeas
aguçam-me os sentidos
viajo por mil constelações
para naufragar minhas emoções
em teu mar
e logo me entrego aos meus medos e segredos
morro imersa em tua escuridão...