domingo, 19 de dezembro de 2010

Ando ligeiramente cega....


Tenho usado meu 'indulto de natal' para ler um pouco. No momento estou lendo (sim,até que enfim...!) Saramago. Por incrivel que pareça nunca havia lido um livro dele, foi preciso
ele morrer e o Fábio aparecer na minha vida (ele me presenteou com o livro no meu aniversário) para eu me render aos escritos desse saudoso autor português... Nossa, que arrependimento...mas, antes tarde do que nunca,certo?
O livro, Ensaio sobre a cegueira, tem me deixado de olhos bem aberto, principalmente sobre a escatológica 'cegueira humana'. Bem, mais ainda é cedo para conclusões e não pretendo fazer comentários 'às cegas" , então, prometo escrever após a conclusão da leitura (espero que em breve...). 

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Quatro meses...

É isso mesmo...São exatamente quatro meses sem postar nada de novo. Meu conto esta parado, meus prometidos comentários de livros e filmes estão criando teias...Eita, sô! E eu, como sempre imprevisível (e aparentemente sem muita consideração pelos meus leitores - só aparentemente!), nada de justificar essa ausência total. Pois bem, a vida tem tomado novos rumos e como a canoa ainda não se aprumou  preciso ir remando aqui e acolá, e o tempo tem se mostrado um ingrato comigo. Então, para mostrar que eu estou viva resolvi postar uma fotinho pra fazer inveja. Eu e minha filhote, a Paris, num raro momento de "sombra e água fresca". Inté, galera.



Crédito das fotos: Fábio Costa (O cara tem futuro. Tirou essas fotos com a cam de seu celular de apenas 3.2 m.p)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Um certo Crazy...M!


Quem já leu Shakespeare sabe que ele, como ninguém, consegue traduzir em suas peças os amores imperfeitos e as dores de cotovelos. Passados séculos de suas criações ainda hoje podemos nos servir de sua dramaturgia para explicar ou entender as chagas que dilaceram nossa alma de tempos em tempos: a brasa encandescente da paixão ou as decepções recorrentes dos amores não correspondidos. Assim, para os amantes da boa literatura, não deve soar como estranho os pensamentos da jovem Fermina:

"- Ora, vêde que desprezível fazeis de mim. Pretendíes que eu fosse um instrumento em que poderíeis tocar a vontade, por presumirdes que conheceís minhas chaves. Tínheis a intenção de penetrar no coração de meu segredo, para experimentar toda a escala dos meus sentimentos, da nota mais grave à mais aguda. No entanto, apesar de conter este instrumento bastante música e de ser dotado de excelente voz, não conseguís fazê-lo falar. Com a breca! Imaginais então que eu sou mais fácil de tocar do que esta flauta? Dai-me o nome do instrumento que quiserdes, conquanto voz seja fácil escalavrar-me, jamais me fareis produzir som..."

Relembrando Hamlet, príncipe da Dinamarca, em suas dúvidas sobre o amor e seu destino incerto, assim resume Fermina sua experiencia com os carecas.
Crazy entrou na vida de Fermina no fim do ano passado, mas precisamente no dia de reveillon. Desde então, por cerca de uma semana, os dois não ousaram se desgrudar. Fizeram tudo juntos: dormiam e acordavam juntos; faziam as refeições; andavam pelas ruas; iam ao supermercado. Enfim,eram inseparáveis. E, como nesses romances antigos, resolveram se verter de fato às loucuras fulgazes da paixão.
Quem os observasse, por certo, achariam que eram dessas almas-gêmeas que nascem de tempos em tempos, quiça, de milénios em milénios. Conversavam com tanta naturalidade, revelavam traços de suas personalidades sem pudor algum, segredavam antigas experiências amorosas com tanta sincronia e destreza que pareciam serem conhecidos de longa data.

A convivência foi tão boa nos primeiros dias que ambos ousaram ir além e proporam se reclusar no litoral. Lá, só os dois, quem sabe o encanto não seria abalado pela convivência diária que esgota até mesmo os relacionamentos mais fortes e convicentes. Sendo assim, fizeram as malas e partiram os dois rumo aos seus destinos incertos.

Na curta viagem em direção ao litoral, de aproximadamente 1h30, Fermina aproveitou para olhar um pouco mais o homem que conhecera há tão pouco tempo, mas por quem já cultivava tanto carinho e ternura.

Crazy é um rapaz bem alto. Alto mesmo. Fermina tinha que ficar na pontinha dos dedos, mesmo de salto alto, para poder alcançar seus lábios. Tinha braços longos, fortes e cobertos de pêlos para o delírio dela. Fermina é apaixonada por pêlos. Tem verdadeiro fetiche em relação à pêlos no corpo do sexo oposto. E nesse ponto Crazy a agradava plenamente porque ele era coberto de pêlos, não só nos braços: pernas, costas, abdomem... tudo repleto de uma penugem clarinha. O único lugar que era quase que completamente desprovido de pêlos era a cabeça. De resto, não faria inveja aos acometidos pela licantropia. Seu rosto contrastava com seu porte físico. A tez alva lembrava os anjos barrocos. Seus olhos eram pincelados de verde-azulado, dependendo da claridade que os refletia. Fermina os batizou de olhos cor de ardósia em homenagem ao seu compositor predileto, Chico Buarque.

Como Crazy dirigia concentrado, olhando para as inúmeras curvas da estrada de Santos, Fermina pôde examiná-lo minuciosamente. E, nesse exame, ela pôde observar como o perfil dele era perfeito: um nariz altivo, empinadinho, que se iniciava entre a vasta sombrancelha e findava numa curva perfeita a poucos centímetros de sua boca rosada e carnuda. E ia ela perdida nesses pensamentos quando foi desperta por um comentário dele:

- Olha, essa é a entrada da cidade. Esse portal esta ai desde que eu era criança. Lembro que quando chegava aqui já sabia que estava perto de casa.

E Fermina olhou para a direção em que ele apontava. Era um portal na espécie de uma entrada de túnel. Havia qualquer coisa que lembrava boas-vindas. Ao redor margeavam plantas de várias especies de trepadeiras. Algumas possuiam flores coloridas. Fermina gostou do que viu. Abriu um sorriso e voltou seus pensamentos novamente para Crazy, só que agora as ideias eram mais profundas. Pensava ela como nossa existencia é uma caixinha de surpresas. Como nada nessa vida é exato, nem as ciencias físicas e matemáticas, muito menos as relativas ao coração. Há três dias aquele homem nem existirá para ela e, agora, ela não conseguia se ver longe dele. Tudo nele a encantava: sua timidez, seu sorriso encabulado, seu olhar entristecido. Suas poucas palavras. Suas divagações antológicas.

Fermina ria do jeito desajeitado de Crazy. Lembrava ainda do primeiro dia em que sairam juntos. Ele demorou séculos para encontrar o endereço em que ela estava. E se já não bastasse isso, pegou contramão em uma avenida movimentada da cidade em que nasceu, foi criado e aprendeu a dirigir. Por incrível que pareça eram essas pequenas coisas que comoviam e aproximavam ainda mais Fermina de Crazy.

Mais uma vez Fermina foi despertada de suas divagações:

- Chegamos! Olha, não vá esperando nenhum palácio, hein!? É um prédio antigo, cheio de problemas. Ficamos com ele por causa da vista. Quando chegarmos lá em cima você vai ver que vista bonita ele tem...

E subiram os dois.

Quando abriram a porta Fermina pôde ver logo de cara uma janela imensa na sala. Antes de qualquer coisa largou as malas e correu para o parapeito.

- Nossa, que visão linda, Crazy! Você realmente tinha razão... A vista é divina!

Ele,então, chegou por trás, passou seus longos braços em volta da cintura dela e ficaram os dois ali, juntinhos, olhando a magnetude da paisagem, as ondas irem e virem, os banhistas no calçadão, as crianças correndo de um lado para o outro. Não sei quanto tempo ficaram naquela posição. Acho que o tempo suficiente para perceberem que aqueles dias seriam inesquecíveis e que eles tinham que aproveitar ao máximo porque não sabiam se haveria outros iguais.

- Amore, vamos arrumar as coisas e depois darmos uma volta por ai? Propôs Crazy.

- Aham. Respondeu Fermina.

Foi então que ela examinou brevemente o lugar que dividiriam por alguns dias. Era um apartamento antigo. Havia uma sala, um quarto, uma cozinha e um banheiro. Os compartimentos não eram grandes,mas não se pode dizer que eram minúsculos também. Na sala havia um sofá de três lugares. Uma mesa pequena encostada na parede, onde se amontoavam algumas papeladas de forma desorganizada. Uma tevê e um rádio postados em cima de uma estante pequena. No teto havia um ventilador.

No quarto em que dormiriam havia duas camas de solteiro, que os dois logo trataram de unir para fazerem de casal. Forraram com lençois limpos e cheirosos que ele havia trazido especialmente para aqueles dias de 'lua-de-mel' improvisada. Sobre a cama uma grande janela que dava para o calçadão permitiria noites brindadas a nuvens,poesias, luares e céus estrelados. Na outra parede ficava um guarda-roupa de madeira pesada e ao lado da cama um pequeno criado-mudo.

Na cozinha havia o suficiente para sobreviverem bem: fogão, pia, armário e uma mesinha com duas cadeiras.

O banheiro era antigo. Precisava de reformas urgentes, mas tinha também, na opinião de Fermina, o suficiente para lhes garantir sobrevivencia: descarga funcionando e água quente para as noites frias.

Assim que guardaram as coisas a noite já começava a despontar. Resolveram, então, tomar banho e depois sairem para comer alguma coisa. Fermina foi na frente e depois de tomar banho e trocar de roupas deitou-se na cama para esperar Crazy tomar o seu banho também.

Fermina ficou olhando o céu, observando as estrelas que despontavam uma a uma conforme a noite ia chegando. Fechou os olhos e deleitou-se com o cheirinho de água salgada que vinha lá de fora. Como Crazy demorava ela fechou os olhos e, finalmente, foi derrotada pelo sono. Quando acordou, tempos depois, viu que Crazy também dormia ao seu lado, tranquilamente. Ela, então, virou-se de lado e ficou alguns minutos fitando de forma terna aquele homem que até a pouco tempo nem existira para ela... Como ele continuava dormindo feito um anjo ela se limitou a massagear sua tez suavemente, passando as mãos de um lado para o outro. Ele acordou, mas não abriu os olhos de imediato. Ficou como um gato manhoso se rolando na cama de um lado para o outro, com um sorriso no rosto. De repente, ele pega as mãos de Fermina e beija-a suave e longamente. Finalmente acordam de verdade.

Os dias que se seguem são repletos de momentos marcantes e de cumplicidade. Novas revelações sobre a vida de ambos, confissões, desejos e medos são relatados nas muitas conversas que varavam as madrugadas. Fermina e Crazy não tinham a mínima noção de quanto amanhecia ou anoitecia no litoral. Acordavam na hora do almoço e se recolhiam à alcova quando os demais mortais já estavam iniciando mais uma jornada.Certa vez, estavam os dois tão envolvidos em uma conversa na beira da praia que quando resolveram voltar para casa e viram uns senhores caminhando na orla, Fermina comentou:

- Nossa, esses velhinhos caminhando tão tarde assim... deviam era estar dormindo.

Foi quando Crazy olhou no relógio e emendou:

- Não, nós é que estamos indo dormir tarde demais.Já são 5h30 da manhã!

E os dois trocaram olhares cúmplices e cairam numa gargalhada gostosa.

Foram assim todos os dias que eles compartilharam nessa breve semana. Nenhuma rusga entre eles. Nenhuma indisposição.Nenhuma crise. Parecia que o que um falava o outro prontamente entendia.

Para fermina Crazy era perfeito.Talvés porque se parecesse demais com ela. Agia em todas as situaçõe scomo ela provalmente agiria. Eram dorminhocos - ela mais do que ele. Eram carinhosos - nesse quesito estavam plenamente empatados. Eram jovens - ele, às vezes, parecendo bem mais do que ela. Eram aventureiros - na melhor acepção da palavra. Eram desprendidos e, acima de tudo, foram sinceros um para o outro durante todo o tempo em que tiveram juntos.

Por Crazy Fermina fez algumas loucuras e, talvés, se o destino permitisse, teria feito mais...

Mas como num passe de mágica, assim como começou, terminou. Crazy foi um sonho bom na vida de Fermina e ela espera ter sido uma coisa boa na vida dele também. Como as coisas marcantes e verdadeiras não precisam ser perenes, Fermina acredita que ambos tiveram seu papel na vida um do outro, trazendo felicidade e alegria no momento em que precisavam.

Eis ai a justificativa para os receios de Fermina em relação aos calvos. Eles são perigosos demais para um coração tão desprovido de amor como o de Fermina. Fazia tempo que ela não sentia a chama da paixão visitar seu coração e quando conheceu Crazy sentiu aquilo que o poeta dizia ser necessário para nos enloucrescer. Talvés mais enlouquecer que crescer de fato...

Assim, com essas lembranças ainda frescas na memória, pensou ela que o melhor seria ficar longe de problemas, principalmente dos evitáveis.


Chegando em casa e pronta para esquecer Otávio, ainda que ele se parecesse com o príncipe da Dinamarca ou com o maior general que a história já conheceu, Fermina ligou o computador e enquanto ele se iniciava foi até a cozinha pegar algo para comer. Escolheu suco de uva, batatas fritas e voltou para o quarto.

Assim que o computador se iniciou ela foi ler seus emails, mas como não havia nada de muito importante já ia desligar quando, de repente, uma mensagem lhe chamou a atenção. Era do site de línguas que ela havia se inscrito alguns meses antes por intermédio de um amigo. No inicio Fermina entrava todos os dias para treinar seu inglês papa-chibé, mas depois as visitas foram se tornando esporádicas ao ponto de, finalmente, ela esquecer por completo do dito site. Entretanto, depois dos acontecimentos da noite anterior tudo o que Fermina queria era algo para se concentrar e esquecer por completo do Otávio e de suas desculpas esfarrapadas. Foi então que ela pensou:

- Hummmm.... faz tempo que não vejo minhas lições. Como não tenho nada de bom para fazer vou retomá-las. Quem sabe assim eu esqueça logo daquele idiota do Otávio que me fez de boba por hoje...

E. como diz o ditado popular, quando o amor não vai bem das pernas dizem que há sorte no jogo. Na falta do jogo, Fermina optou pelos estudos. E assim, lá estava ela num site de línguas praticando seu inglezinho quando, de repente, é surpreendida por uma mensagem que lhe pula da tela alertando-a para uma sugestão de amizade. Fermina estava tão concentrada que até se assusta. Demora um pouco para entender do que se trata, afinal, nunca havia recebido sugestão de amizade nesse site. Inscreveu-se com o único intuito de praticar e exercitar seu inglês e nada mais do que isso.

- Quanto mais eu rezo mais assombração me aparece...

E proferindo essas palavras em voz alta, Fermina solta uma gargalhada sonora e com gosto. Relembrando de uma passagem da trilogia O Tempo e o Vento, de Érico Verissimo, completa:

- Eita mundo torto sem porteira, ...

E cai mais uma vez em gargalhada. Assim, parece que já refeita da decepção de horas atrás, a moça resolve verificar quem é o suposto novo amigo. Clica em cima do convite e, para sua surpresa, aparece a imagem de um homem jovem, bonito e... careca.

-Êpa, careca? Ahhhh, não.... de novo não....

Talvez o leitor esteja se perguntando o porquê dessa atitude de Fermina diante de um homem desprovido de fios capilares, certo? Bem, é ai que entra mais um personagem da história.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Parte ll - Nas incertezas de um caminho...


Quinta-feira à noite. Lá fora um céu enluarado pipocando de estrelas de todos os tamanhos e intensidades. Parecia uma orquestra celestial a premiar os jovens que ousassem sair à rua naquela noite tão estrelada e convidativa. Aos sonhadores não necessitaria de muita coisa para se realizarem e sairem por ai fazendo piruetas e cantando hinos de louvor ao Deus da natureza, do amor, das noites furtivas e dos amantes da boemia: Dionísio! Mas não era bem essa a realidade de todos os mortais. Fermina, por exemplo, encontrava-se enclausurada em sua alcova após um furo espetacular, tendo como únicas companhia uma garrafa de suco de uva integral, algumas batatas e um sentimento de nostalgia tão grande e sem explicações que isso a enlouquecia mais do que os designios de horas atrás.

São 19h. Falta apenas três horas para que o tão esperado encontro finalmente se concretize. Esperado porque nunca havia sido tão dificil encontrar uma pessoa, para Fermina, como nos ultimos dias. Há três semanas todas as tentativas de saída com Otávio haviam falhado.

Otávio é um homem altivo e de expressões fortes. Seu semblante remete mesmo ao nome que lhe deram de batismo - de um imperador romano. A primeira vista sua imagem inibe os mais tímidos. Seu timbre de voz é forte como o de um leão ferido. Seu olhar, esmagador. Sua postura lembra a de um general conquistador romano prestes a derrotar o inimigo e conquistar novos territórios aumentando assim seu poderio e influencia. Mas, se durante o governo de Otávio Roma conheceria a prosperidade, a paz e a estabilidade, não se pode dizer o mesmo das reações que o nosso Otávio contemporâneo ocasionava na jovem Fermina.

Há dias que os deuses confabulavam contra os dois. E todas as tentativas de se verem falhavam uma a uma. Primeiro Fermina teve que desmarcar porque estava às voltas com um projeto de trabalho. Depois, foi a vez de Otávio já que suas funções de pai solteiro assim lhe exigiam. As tentativas a seguir foram uma sucessão de desencontros que partiam ora de um, ora de outro, ao ponto de não se saber mais de onde vinha as fatalidades que os impediam de se ver. O certo é que esquecido os percalços anteriores, fecharam os dois que dessa noite não passaria e, assim, Fermina se arrumou mais do que o costume para ir ao trabalho. Tomou banho demoradamente. Ficou horas massageando óleos aromáticos pelo corpo. Depois se lambuzou um pouco mais com cremes para a pele, para o rosto, para os pés, para as mãos e para tudo o mais que a imaginação humana pudesse supor. Ao sair, finalmente, do banho, deu inicio a um novo ritual: fazendo-se de Cleopátra, a eterna rainha do Egito, dedicou mais alguns minutos a maquiar-se e corrigir aquilo que, se ainda não era perfeito aos seus olhos, ficariam brevemente. Por fim, foi escolher o que vestir. E nesse ponto Fermina demorou mais alguns longos e preciosos minutos. Optou por um visual básico mesmo, afinal, ia trabalhar e não pegava bem vestir-se como se fosse a uma cerimonia: escolheu um jeans claro, um all star branco e, para equilibrar a produção, uma camiseta nada convencional semelhante a essas desfiladas nas semanas de moda do centro-sul do país. E, acreditando que estava tudo como deveria, dedicou mais algumas voltas na frente do espelho para certificar se esta digna de um encontro. Assim sendo, segura de si, despediu-se de sua mãe, afagou sua cadela, sussurando ao seu ouvido algumas palavras, e foi trabalhar.

Já se passara 10 minutos das 22h. Otávio atrasara-se ou não viria mais. Fermina pensou:

- Se dessa vez um de nós desmarcarmos eu desisto e ponho um ponto final nessa história de uma vez por todas! O que não é pra ser não será e não há destino que resista a tantas fatalidades...

Acabado de pensar isso, o telefone toca. Era Otávio. Avidamente Fermina atende e ao ouvir as primeiras palavras vindas do outro lado da linha, seu semblante muda completamente. Sua vista, antes vigorosa e cheia de vida, vai definhando aos poucos. Sua voz enfraquece e mesmo quem não soubesse do que se tratava veria pelas expressões da moça que algo de desagradável havia acontecido.

- Fermina, é Otávio. Tudo bem?

- Tudo. E ai, não vens?

- Então... é sobre isso que quero lhe falar... bem... como posso lhe explicar...

- Seja claro, Otávio, por favor...

- Bem, é que estou preso em casa. Minha mãe saiu e levou as chaves do portão. Não tenho como sair com o carro...

Assim que Otávio acabou de proferir essas palavras Fermina sentiu um baque e um desanimo tão grandes que já parecia haver mais sentimentos entre ele do que de fato existia. Mas, não esqueçamos, estamos nos referindo à Fermina e se tem uma coisa que essa moça não demosntra é fraqueza ou que perdeu uma parada. Então, prontamente, ela se sai com essa:

- Ah, tudo bem, Otávio. Acho que não daria pra mim mesmo.Acordo cedo e já esta ficando tarde...

E, assim, se desfazia algo que nem havia começado ainda . Na volta pra casa Fermina promete pra si mesmo:

- Nem que ele implore de joelhos eu irei vê-lo novamente. Onde já se viu? Desculpa mais esfarrapada... pensando o quê??





sábado, 20 de março de 2010

Ele é carioca...ele é carioca...


Florentino, por sua vez, é desses rapazes que transmintem paz à primeira vista. Tem expressões fortes - talvés herança de sua descendencia italiana, dos mafiosos sicilianos - que se acentuam ainda mais quanto ele esta sério, concentrado, lendo alguma coisa ou digitando no teclado. Seu rosto é anguloso, traços bem feitos, tendendo à perfeição. Pele alva. A alma nem tanto... Seus olhos são bem expressivos e dizem mais do que horas de prosa.Seu sorriso paraliza ao primeiro contato. Se tem algo em Florentino que tenha cativado Fermina, esse algo é o sorriso dele. Quando sorri, sua face ilumina-se tal qual os raios de sol no verão tropical. Chegam a cegar e deletar, a priore, qualquer vestígios de defeitos inatos.

Sua estatura é mediana. Olhos, acredito, negros. Em contraste com suas vastas sombrancelhas uma calvice prematura lhe presenteia. Sim! Porque o resultado é, de fato,um presente: é o mal necessário para causar-lhe certa malemolência, um charme irresistivelmente sexy e pecaminoso. As mãos desse homem também são dignas de poemas: macias, nudes, delicadas o suficiente para promover carícias plenas e sutis... Na verdade, Florentino tem sutileza em tudo que faz. Na vida e na ficção.

Ademais posso afirmar que ele é dessas peças raras, talhada uma única vez em séculos. Onde a forma se perdeu. Em uma palavra: é único. Único em sua gentileza. Único em sua altivez. Único em sua inteligencia. Têm algo que poucos homens conseguem preservar, a sinceridade ainda que a mesma desvele traços de imperfeição ou de natureza animalesca e instintiva. Seus demônios são aparentes e habitam a áurea mais superficial da carne. Poucas camadas e logo deparamos com ela pronta pra agir e fazer-se notar libertando os monstros da lagoa.

Assim como Fermina,Florentino também admite suas fraquezas e inseguranças. Uma delas é sua cârência congênita. Que ele diz congênita. É um romântico incurável a procura de sua 'batida' perfeita. Não queria dizer a ele que talvés amor perfeito seja apenas o nome de uma planta. Que na literatura essas histórias começam quando terminam. E, na vida real, terminam quando começam...

Mas, para quê acabar com a fantasia quando essa é a única teia que os mantém unidos? Deixem-nos sonhar. Perambular por campos ainda intactos. Serem colonizadores de si mesmo. E, quem sabe, cultivarem um jardim em n'algum lugar entre a imaginação e o real, entre o hoje e o amanhã, entre a teoria e a prática, entre a razão e o desejo, entre o yn e o yang....É lua cheia e os bichos querem sair...

Eu caçador de mim...


FERMINA é uma moça jovem, esguia do alto de seus 170 cm de altura. Tem uma pele levemente bronzeada pelo calor dos trópicos,principalmente aquele de cima da Linha do Equador. Sua compleição física foi talhada pelas atividades que fez a vida inteira. De tudo um pouco: primeiro brincadeiras de rua, na infância. Depois,natação, karatê, corrida e, atualmente, musculação. Tem um porte de garça. Anda como se tivesse seguindo fielmente um tracejo riscado no chão. O olhar nunca furtivo. Sempre olhando em direção ao horizonte. Olhar firme e determinado de quem sabe o que quer, ou pelo menos de quem finge que sabe o que quer. Seus olhos e cabelos foram pincelados com tintas que lembram uma única cor: o dourado. Seus lábios são de um tom roseado natural.Diria que Fermina é uma moça bonita. Não fatal,mas de uma beleza suave, natural e ao mesmo tempo exótica que reune em si as características dos três povos formadores do nosso país: brancos, negros e índios. E Fermina adora relatar sua árvore genealógica. Sua descendencia. Faz questão de contar a vinda do avô paterno, imigrante espanhol nascido no século XlX, que embarcou criança para o Brasil a fim de reconstruir a vida além-mar. De relatar que sua avó materna, Bibiana, ainda chegou a ser escrava e, após alforriada, amancebou-se com o filho de seu senhor do qual resultou o nascimento de seu avô,Raimundo. Há ainda, um pouco de sangue índio em suas veias, mas essa parte ela não se arvora a contar porque não reune informações suficientes. É que Fermina é orgulhosa demais para contar uma história pela metade e isso me lembra outra característica marcante dela: a fala. Ela é dessas jovens tagarelas que fala em 33 rotações sem parar. E só pára quando dorme. São raros os momentos em que Fermina cala-se. E quando isso acontece é porque ou ela esta dormitando ou porque algo não vai bem. Reze para que ela esteja apenas adormecida, porque o silêncio dela é pior que sua sandice falatória.

Fermina tem defeitos como todo mundo e como boa libriana a indecisão é um deles, mas talvés o pior de todos os defeito dessa moça seja o fato de ela jamais admitir qualquer tipo de fraqueza. Ela se habituou a passar uma ideia de mulher forte, independente e determinada. Mas nem sempre a imagem que vende é retrato fiel do produto. Quem sabe Fermina não venha a aprender, por aqui, que demonstrar fraquezas não é crime. Muito pelo contrário, só nos torna mais humanos ainda. E que lágrimas não são ácidos que dilaceram a face, mas causam apenas algumas chagas na alma que se curam tão sutilmente quanto aparecem. Que perfeição é algo que surge delevelmente e não é pré-requisito de felicidade. Enfim, acho que Fermina é uma dessas moças a procura de si mesmo e, como diz a canção, ainda vai descobrir o que me faz sentir eu caçador de mim...

Parte l


Essa primeira parte será destinada a descrição dos personagens dessa história e, a primeira coisa que pensei, foi criar nomes fictícios para preservar a privacidade de ambos. Então fiquei pensando em vários nomes que pudessem substituir os de batismos deles. Entretanto, não queria qualquer nome. Não... era necessário um nome forte, que dissesse alguma coisa, que fosse além de um codinome, de uma máscara... Lembrei, então,de um livro que acabei de ler "O amor nos tempos do cólera", de Gabriel García Márquez. Sim! Por que não? Os nomes dos personagens centrais são diferentes, fortes e com uma história também envolvida mais pela distância e pelos desencontros do que, necessariamente, pela união rotineira e cúmplice dos casais dito normais.

Sendo assim, lhes apresento FERMINA e FLORENTINO.

(Des)Venturas - Introdução

A partir de hoje vocês poderão acompanhar por aqui a (des)ventura de uma garota e um careca que se conhecem num site de línguas da internet.Ela, aprendendo inglês. Ele, alemão. Ela, historiadora como eu. Ele, advogado como o diabo (ou era assessor jurídico?).Ela, de libra. Ele de touro. Ela, escritora de horas vagas. Ele, leitor 'assiduo' dos escritos dela. Bem, como ainda não tenho muita informação sobre o casal me limito a essa sutil apresentação. A pedido dele a crônica será publicada nesse blog e vocês poderão acompanhar, torcer, chorar ou se divertir com os acontecimentos que ainda envolverão esse estranho casal. Eu, como sempre, me limitarei a escrever essa história e, quem sabe, me torne madrinha de alguma coisa...

quinta-feira, 18 de março de 2010


Criança tem cada uma....Essa belezoca ai, que vocês admiram, é a Vic, minha sobrinha caçula.Todos os dias aprendo mais com ela do que comigo mesmo. Criança é algo que nunca deveria deixar de fazer parte das nossas vidas. Ai eu a fotografei num momento 'aussi fou'...antes de irmos ao cinema. Detalhe para a pose bailarina e o colar de pérolas (falsificadas) da minha irmã....

(Des)Caminhos..Parte l


Às vezes fico me perguntando como seria se a gente pudesse ver nosso destino a partir de várias escolhas paralelas. Assim, a vida que tenho hoje é resultado de escolhas, conscientes ou não, de um passado próximo. Mas, e se pudessemos parar o 'filme' em um determinado momento e ver o que daria se fizessemos outras escolhas, tudo diferente? Se isso fosse realmente possível...

Quando chove gosto de fazer algo que, indubitavelmente, me remete a minha infância: gosto de sentir os pinguinhos de água no rosto. Antes, quando criança, isso era possível deitanda na cama, com o olhar fixo no teto.Hoje, com a difusão dos forros, não há mais 'brechinhas' entre as telhas que permitam tal façanha.Então, deito-me na cama e aproximo-me da ampla janela do meu quarto e vou abrindo-a, devagarinho, lentamente...equilibrando as baforadas de vento e gotas d'água que invadem meu quarto. É tão gostoso...Nessas horas me despreendo do mundo e das obrigações corriqueiras e me permito a simplicidade de um gesto qualquer, sem cobranças, sem metas a atingir, sem perspectivas...um gesto que começa e termina em si mesmo. Deixo-me ficar assim, nesse estado, por tanto tempo quanto me permitir a natureza - às vezes, adormeço nesse estado de pura contemplação; fico olhando os pingos cairem e escorrerem na vidraça; observo a folhagem das árvores se contorcerem com o vento lá fora; as poças d'águas que vão se formando uma a uma até tomarem todo o quintal; os cantos dos passarinhos que sobrevoam as roseiras e cupuaçuzeiros de minha mãe, sacudindo-se e glorificando-se com a água que cai do céu, batizando-os. E assim, com esses pensamentos, vou aos poucos ficando sonolenta...os olhos serram e, às vezes, os sinos tocam, me levando à morte temporária...ao sono...Quando me desperto, tempos depois, o mundo voltou ao normal e eu à realidade racional. É...ainda bem que há dias de chuvas.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Perturbações...



Te olho assim como se pudesse trazer-te para mim.
De soslaio reviro
as vezes suspiro e
nem sempre
sugiro o que se passa aqui dentro...

Eu e eu.
A solidão alcança-me e lança-me
nas profundezas do eu-meu
que procuro não seguir.

Nem sempre estais aqui dentro de mim e
às vezes me perco
perambulando pelo mundo
confrontando pensamentos,
destinos,
desatinos
e aventuro-me
experimentando novos encontros
essenciais.

Não satisfaço.
Ignoro minha dor
e sigo em frente.

Pior é não pensar.
Relutar não está no script.
E sigo tolerante
como bedéis sem fim.

Te quero!
Te quero!
Te quero!

Mas fazer o que
quando a carne-homem
domina o homem-carne?
Não há remédio para tal inquietação
senão generosas doses de muitas mãos.

ELEGIA DO ARREPENDIMENTO


Peço-te perdão
Por esse meu jeito
De agir,
De ser,
De (não) pensar.

Peço-te perdão
Por esse meu querer
Tão despretencioso
Que chega a bastar em si mesmo.

Peço-te perdão
Por supor que podia
Ultrapassar as fronteiras
Do ontem e
Achar que no hoje
Faríamos o amanhã.

Peço-te perdão
Por sentir-me tão leve
Em tua presença-ausência
Que chego mesmo a esquecer as formalidades
Dos pares mal-formados...

Peço-te perdão
Por encurtar tamanha distancia
Com proezas verbais
Com galanteios informais
Com sorrisos de anis
Que brotam de meus lábios


Toda vez em que vejo a ‘bandeira’ azul
Surgir do lado direito da tela
Fatalmente o mesmo lado das juras eternas e
Dos amantes em vão...
Quisera o lado do coração.

Peço-te perdão, ainda
Por não ter de todo apagado
As suaves lembranças
De dias de sol e
Noites de brisa
De toalhas macias
De chuvas sem hora marcada
Tão diferentes das que caem no chão
De minha terra natal...

Peço perdão por visitar-te
Sem alardes
Na aurora dos meus dias
Vestida apenas de magia e
Levando comigo crisântemos, monsenhor

Peço-te perdão
Por crepitar ao som dos teclados
Supondo que cada nova nota
Que enviarás para mim
Traduzirão uníssonas
Nossas lembranças mais secretas
Nossas juras não feitas
Nossos desejos ainda não desencantados...

Peço-te perdão, finalmente
Pela ternura desmedida
Que despertas em minh’alma
Como se fossemos velhos conhecidos
De toda uma vida e
Que em um único olhar
Traduziríamos
Toda a beleza que há
Por trás de sorrisos gentis.

Perdão, anjo, por sentir-te assim tão perto...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010




Saudade é coisa que não tem explicação

Saudade é coisa que não tem explicação.
Vem de mansinho,
sem avisar
nos pega de supetão.
E a gente,
sem reação,
se deixa tomar, domar, dominar
por essa coisa gostosa
que você me disse, certa vez,
foi criada pra se lembrar das coisas boas
dessa estrada derradeira.

Saudades...
dos momentos,
dos encantos,
dos olhos cor de ardósia.
Às vezes sonolentos
como gato dorminhoco.
Às vezes malicioso
como o bom malandro
de sapato branco
e lenço no pescoço
que anda gingando
e roubando o sono de tantas moças.
Olhar matreiro,
que mata sem dó
mas com paixão.

Vixe...! Teus mistérios são muitos...
O que se passa, então, nessa cabeça...?
Quem poderá saber... ?
Eu não...
Só sei de tuas mãos:
Afagam mulheres
com ternura,
com leveza,
uníssonas!
Mantém simetria
em cada onda do vasto corpo de violão.
Inquietantes,
elas dançam suaves
nem esperam ouvir a canção de permissão.
Ávidas, procuram o contorno necessário
para curar tamanha sofreguidão.
Lembram marinheiros de muitas águas sem ver terra...
É nessa sensação de além-mar,
para além desse cosmo,
que me levas
ao embalar-me com tuas mãos.

Deixo-me, então, levar e
já não sinto o chão,
tal como borboletas que acabaram de abandonar o casulo.

Lambuzo-me com a liberdade
dos que não tem mais perdão.
E já nem sei se quero ainda decifrar os mistérios dos olhos teus.
Na verdade,
não quero nada que não seja
a contemplação
da impar sensação
que me proporcionas
com o simples toque,
o suave toque,
de tuas mãos.
Teus tentáculos!
Meus tentáculos!
Sim...!
Sirvo-me deles como se já fossem meus
e talvez sejam
ou foram
ou serão...
Não sei...
Só sei
que nada se compara
à incrível sensação
de se erguer
uma casa
sem chão.
O caminho inverso que fizemos
não tem explicação,
assim como a saudade que sinto
ao olhar tua foto
naquela tarde chuvosa
de uma cidade eternamente nublada
perdida em meio a tanto concreto,
mas que por um segundo
quase me fez achar
que eu finalmente tinha me encontrado
e me curado
de uma solidão
que também não tem explicação.





Salvador Puig Antich... um nome desconhecido. Um coadjuvante na escrita da história. Um cidadão. Um ideário. Um filho. Um irmão. Um jovem. Um sonhador...
Alguém que ousou quando todos calaram. Alguém que encheu o peito de ar e a alma de coragem para lutar por um sonho, uma utopia coletiva, porém, praticada por poucos... Poucos ousaram desafiar o sistema, romper o muro atroz da brutalidade armada.
Como ele outros ousaram, abdicaram à própria vida em prol da libertação do povo. Luta armada tomada de ímpetos de medo e coragem, de sussurros e palavras de ordem, de passeatas e canções de protesto, de vitórias e pêsames. Jovens órfãos de pátria e pais órfãos de filhos: realidade mundial nos anos de 1960-1970. América, Europa, não interessa a que mundo se pertencia... a mão pesada da impunidade constitucionalizada era cosmopolita, além de sanguinária.
Pinochet, Franco, Geisel... Nomes apenas? Não! Mais do que nomes! Ações!
Salvador foi um jovem catalão que ousou mudar a triste realidade de seu país. Pagou com a vida.
Outros também tentaram escrever a história de seu país com outras tintas: João, Betto, Fernando, Mirangalha, Chico... Todos Salvadores a seu modo. Todos penalizados por atos institucionais.
Penso hoje na máxima do poeta: tudo vale a pena se a alma não é pequena, e lembro desses jovens revolucionários que lutaram pela redemocratização de suas pátrias, pelas garantias individuais e direitos coletivos, pela liberdade de expressão, por um mundo livre e melhor. Será que valeu a pena?
Às vezes, um pessimismo sobre humano toma conta de mim e me mostro descrente em relação às mudanças, sejam elas a níveis sociais, políticos, econômicos ou mesmo interpessoais.
Olho de soslaio a sociedade a qual faço parte e nem sempre me reconheço nela. Não me sinto parte dela.
Leio sobre a história do mundo, sobre a ‘evolução’ da raça humana, sobre os avanços tecnológicos, sobre a modernidade-mundo, que não só bateu à nossa porta, mas que também invadiu nossas vidas e, sinceramente, sinto inveja de nossos avôs. Chega a ser nostálgico essa falta de algo que nunca tive.
Hoje, esse pensamento não quer me abandonar. Sinto uma ardência inquietante no peito, uma vontade de gritar, mas sem se fazer ouvir. Só para sentir essa sensação esvair, abandonar-me.
Confesso que tentei aprender a mentir. Não me refiro a meias verdades. Me refiro às homéricas. Aquelas em que ignoramos nossos valores, nossas crenças. Aquelas em que fazemos ‘vista grossa’ para as irregularidades, para o suposto errado, para o mal. Refiro-me àquelas em que cometemos injustiças sem remorso. Que humilhamos nossos irmãos, que cruzamos os braços diante das vicissitudes dessa vida...
Refiro-me, finalmente, a pior de todas as mentiras: aquela que fazemos a nós mesmos. Enganar a si próprio! E essas mentiras, de tanto professadas, um dia acabam tornando-se verdades. É isso! Vivemos na era das não-verdades. Mas, de sacanagem, ouso não seguir essa linha. Só para azucrinar eu me nego a fazer parte desse ciclo. Me nego a sucumbir a essa hipocrisia que nos margeia hordienamente.